CONTO: UM BREVE DESPERTAR
PARTICIPANTES:
LU CAVICHIOLLI, CEZARINA CARUSO, GRAÇA LACERDA, DULCE COSTA E SU ANGELOTE
Estávamos no outono e o frio costumava ser meu companheiro na solidão.
Naquela manhã estava nevando um pouco quando abri a janela num rompante agitado porque o cortador de lenha já estava em frente à cabana empilhando as toras .
Meu pai já estava na cozinha preparando nosso desjejum, então me apressei correndo para o banho tal era minha ansiedade em usar aqueles produtos que Jane trouxera ontem. Meus cabelos estavam desidratados e duros como palha de aço. Ela sempre dizia: “uma moça precisa estar bem cuidada, principalmente se estivesse em idade de casar”. – não era meu caso, embora eu já tivesse passado dos 25 , porém meu pai, meu cachorro e meus livros era tudo que eu precisava.
A banheira já estava espumando quando entrei. . Devo confessar que naquele instante senti uma leve necessidade em estar acompanhada, mas logo varri essa idéia da cabeça concentrando-me nos cremes e sabonetes que olhavam pra mim exalando seus perfumes.
Os latidos de Jimmy estavam insuportáveis, enquanto meu pai ralhava com ele, e tudo por conta do lenhador. Jimmy detestava lenhadores e suas tralhas.
Mais tarde, depois da caminhada eu voltaria para a máquina de escrever. Havia capítulos por terminar e minhas idéias estavam nubladas.
Vesti meu velho e maravilhoso casaco marrom e coloquei meu acetinado chapéu marrom, tudo combinando. Corri para a porta e desci rapidamente a escada que me levava à rua.
Papai havia comprado nossa casa com os sacrifícios diários de seu trabalho, e agora ela estava hipotecada, para nossa tristeza e desolação.
Vasculhei as lojas da cidade à procura de um presente para Jane, afinal ela era minha melhor amiga e me trouxera perfumes e produtos de beleza na véspera. Mas eu não podia retribuir à altura tamanha generosidade! Tudo o que eu podia oferecer-lhe era o que uns trocados podia comprar.
- Vinte dólares - disse a vendedora.
O vento frio e a neve entravam em meu espírito e me traziam doces e ternas recordações.
Emergida em meu transe, voltei para casa, onde um café estava sendo preparado e uma frigideira quente no fogão a lenha esperava o momento de fritar os ovos com bacon, minha refeição preferida.
Quando olhei o grande relógio de ouro da sala, vi que o tempo havia se arrastado e eu nem havia percebido!
Terminado o café, subi para a biblioteca na intenção de trabalhar nos capítulos que ainda faltavam. Meu editor estava intransigente, não abriria mão da data estipulada para a entrega dos originais do livro. Mas parecia que uma guerra estava se desenvolvendo entre meus personagens e eu, como se eles tivessem tomado vida própria, como se quisessem seguir seus próprios caminhos e não aquele que originalmente lhes fora traçado.
Mais de uma vez isso acontecera e no final eu sempre acabava deixando que eles fizessem suas escolhas, que eles encaminhassem a história. Confesso que nem sempre encontro coragem para enfrentamentos, nem mesmo com personagens criados por mim mesma. Mas desta vez não cederia.
Sentei-me diante da máquina, relendo os últimos parágrafos escritos, para poder bem retomar a história e, com um sorriso meio sarcástico no rosto, murmurei entre dentes: "Muito bem Dr. Hernandez, vamos ver se o senhor vai ou não vai àquele jantar..."
Ylana respirou fundo, decidindo dar um rumo a Hernandez antes que ele a transformasse em sua escrava. Sentou-se em frente a maquina de escrever, e sua memória voou ao passado:
Ylana era frágil e sensível, e tinha uma capacidade instigante para criar. Talvez por isso sua mente lhe pregava peças como naquele domingo, quando ainda tinha 18 anos e estava em férias na casa dos avós no litoral sul da cidade.
Ela molhava o jardim, na frente da casa, e estava metida num shortinho jeans com a barra em fiapos e uma regata azul bordada em miçangas que lhe conferia o aspecto de bonequinha de vitrine. Os cabelos de um louro acinzentado brincavam com a brisa que vinha do mar. Os pés estavam nus e experimentavam a liberdade juntamente com a água que escorria da mangueira. Estava tão entretida dentro da paisagem que nem percebeu que alguém se aproximava. Estava agachada arrancando algumas ervas-daninhas do canteiro quando sentiu um toque firme e extremamente inesperado. Num sobressalto levantou-se e viu a figura de um homem de meia idade que trazia já a prata do grisalho nos cabelos desalinhados . No rosto exibia um breve sorriso camuflado por óculos escuros e a boca fazia prenúncios de fala, valorizando a barba cerrada ainda acastanhada.
_Boa tarde senhorita, seu avô está?
Meio sem fôlego e ainda caguejando, Ylana se recompôs dizendo:
_A quem devo anunciar, senhor?
_ Dr.Hernandez, a seu dispor.
E antes mesmo que eu pudesse dizer: - não se encontra, ouvimos todos, estarrecidos, um grande grito, que abalou a casa toda.
- Corram!
Com lágrimas a lhe escorrer pelo rosto Ylana retornava ao presente fazendo um esforço enorme para continuar a escrever e também disfaçar sua tristeza para que seu pai não percebesse.
Entrementes a moça cogitava um pensamento:
"... Se não fosse Hernandez naquele dia, nem sei o que seria de mim."
Lembrava-se claramente dos momentos terríveis por que passara naquele dia. Ao ouvirem o grito, ela e o Dr, Hernandez entreolharam-se aturdidos e sem que uma palavra fosse dita correram em direção à entrada da casa. Subiram os degraus em desabalada carreira e ao abrirem a porta deram com a empregada da casa segurando nos braços a velha senhora que, desfalecida, trazia no rosto uma palidez assustadora.
Sem uma palavra, o Dr. Hernandez tirou-a dos braços da moça colocando-a sobre o chão de mármore do vestíbulo, começando ali mesmo a aplicar os primeiros socorros enquanto Ilana, chorando, dirigia-se ao telefone para, obedecendo a uma ordem dada pelo médico, chamar uma ambulância.
A moça lembrava ainda do dia seguinte...Uma garoa fina descia do céu como uma esgarçada gaze cinzenta,deixando as cores da paisagem,esmaecidas.O lento passar das horas naquele corredor imenso,em sua alva brancura resplandecente e imutável,que divisava da sala onde estava, apertava seu coração...No fim do corredor,sobre uma estreita janela,um relógio marcava,implacavelmente o tempo. O hospital onde estava sua avó era um prédio moderno e frio,bem equipado e famoso por seus profissionais...Mas,sentada na sala de espera a moça perdia-se na contemplação muda das pessoas que transitavam ali,entrando ou saindo pela grande e envidraçada porta giratória,que qual boca gigantesca,despejava pessoas desconhecidas...Era multidão,mas Ylana sentia-se desesperadamente só.
Não era fácil para Ylana pensar que poderia vir a perder a sua avó. Lembrou-se do dia em que se encontrara naquele mesmo hospital, esperando no colo de seu pai por notícias de sua mãe que estava na sala de cirurgia.
Ylana perdera sua mãe antes de completar oito anos. Um câncer generalizado em seus órgãos pos fim a sua jornada terrestre aos 38 anos de idade. Lágrimas escorriam da fase de Ylana. Pensou em seu pai, que nunca conseguira refazer sua vida amorosa. Lembrou-se da sua infância solitária e dos poucos amigos. Quando seu pai precisava viajar deixava-a sob as guardas de seus avós.
Ylana despertou de seus pensamentos e voltou para a realidade. Precisava dar um destino para o personagem Hernandez. Quantos livros escrevera desde que descobrira o seu dom? Ela sabia que seu personagem tinha vida própria. Se ela fosse verificar seus outros trabalhos, certamente encontraria “Hernandez” com outros nomes e outras funções. Ylana sabia o que tinha acontecido naquela tarde quando o conhecera. Ela tinha apenas dezoito anos, mas apaixonara-se ao ponto de nunca mais conseguir olhar para outro homem.
Uma brisa entrou pela janela deixando o perfume de seu corpo no ar. Uma sensação de prazer passou por si e ela imaginou o seu personagem como alguém que desejava amar. Entregar-se. Desejou naquele momento não só o personagem, como o homem que batera a porta de sua avó naquela tarde.
O telefone tocou e Ylana despertou de seus pensamentos.
Com os olhos revirados e a boca retorcida, Ylana disse um alô enjoado pois do outro lado era Garcia, seu edtor.
Enquanto escutava o lenga lenga insistente sobre a capa ,orelhas e contracapa de seu livro, a moça fitava a branca paisagemm que rodeava seu chalé, deixando sua mente voar naquele céu nostálgico em prenúncios de fim de tarde.
Garcia tagarelava adjetivos e preposições num emaranhado de perguntas até que Ylana o interrompeu:
_Ok Garcia, já falamos sobre tudo isso. Na verdade, acho um pouco cedo para a escolha da capa. O texto de contracapa, já está finalizado e tem uma íntima ligação com a imagem da capa. Portanto ainda estou estudando. Dizendo isso,desconversou, despachando o editor.
Quando ia virar-se na cadeira para chamar seu pai, deparou-se com ele segurando uma bandeja de inox com toalha em macramê rosada e sobre ela um suco e duas fatias de pão com geléia e pasta de amendoim.
Ylana sorriu agradecida, pronunciando o queixo e beijando a face de seu velho e querido pai.
Naquela noite,Ylana escreveu até muito tarde...Sua mente fértil criava sem parar! Foi deitar-se quando as estrelas se desvaneciam e a madrugada debruçava-se sonolenta sobre os primeiros e tímidos clarões de um novo dia.Tomavam o café sentados em torno da mesa redonda da cozinha,os dois,Ylana e seu pai,enquanto Thor,seu gato de estimação dormia sob a janela...O sol punha chispas de luz nos objetos e,na toalha axadrezada da mesinha gotejava pingos de um amarelo vibrante.O retinir áspero da campainha da entrada veio quebrar a paz do momento,como uma pedra atirada num lago parado e silencioso..."Quem será?"murmura Ylana surpresa,arredando a cadeira e levantando-se....
O carteiro segurava um envelope cheio de selos coloridos e o entregou a Ylana,sorridente."Bom dia,menina!"Ele a conhecia desde criança...Despedindo-se entre sorrisos o velho carteiro se foi pela estradinha sinuosa de terra vermelha,debruada por uma verdejante cerca viva,montado em sua bicicleta .
A moça olhou o envelope e divisando a letra conhecida estremeceu,como se um vento frio a percorresse toda!Uma letra bem feita sobressaía entre os selos comemorativos...Exma srta Ylana Vlasekh...e virando o envelope surgiu o nome do remetente! Seu coração disparou num assomo de emoção!Podia-se ouvir o arfar de sua respiração entrecortada: Dr.Hernandez Valenzuela y Herrera. "Meu Deus!Ele de novo...depois de tanto tempo sem dar notícias!" E as cenas de uma triste e emocionada despedida surgiram-lhe diante da memória...Uma cena acontecida há nove anos atrás! Uma cortina salgada de lágrimas embaciavam seus olhos quando,envelope ainda fechado nas mãos,entrou em casa...
Ao bater a porta cabisbaixa, logo percebeu o olhar do pai em sua direção.
Henry olhou para a filha , abaixou a cabeça, mordendo levemente os lábios indagando em seguida:
_ Carta daquele homem, filha?
Ylana, limitou-se a responder com um simples vai e vem do pescoço, enquanto as lágrimas rasgavam suas entranhas.
_Filha, espere. Olhe pra mim... Você precisa resolver esta situação. Estou velho, por vezes caducando e quando me for, você ...
Ylana interrompeu o pai bruscamente:
_ Pare com essa conversa, o senhor sabe que detesto ouvi-lo falar desse jeito.
Meneando a cabeça Henry afastou-se e seu íntimo lhe dizia que algo de novo estava para acontecer.
Sentada na poltrona vermelha de seu quarto,Ylana rasgou o envelope com dedos trêmulos.A bela letra graúda e elegante embaciava-se diante dos olhos da moça...Cenas do passado passavam como flashs diante dela. Com seus dezoito anos, em plena adolescência,apaixonada por um homem que tinha idade para ser seu pai!Um homem cujos cabelos grisalhos e olhar cansado roubara-lhe o coração cheio de sonhos inocentes...Ele que lhe prometera casamento e a enganara com suas promessas .
Era este homem que agora lhe escrevia solicitando-lhe o favor de receber e auxiliar seu único filho que vinha para a Universidade de Oxford fazer Mestrado em Fine Arts!O pai da moça era professor aposentado de História Antiga na referida Universidade e,os dois moravam numa antiga casa de campo nos arredores da cidade.O Dr Hernandez e Ylana sempre mantiveram uma aparência de amizade entre si e ninguém nunca suspeitara de que tivessem tido um caso tórrido de amor.Sómente o velho professor Henry sabia da história porque a filha lhe confidenciara...E só a ele Ylana revelara seus segredos que entretanto,voltavam agora das brumas do passado para atormentá-la.
Juan Miguel Herrera desceu do avião e atravessou a enorme passarela em direção às dependências modernas do aeroporto.Teve que aguardar meia hora pelas suas bagagens. Quem o visse naqueles momentos em sua aparente calma,não suspeitaria do fogo oculto em seu coração, de seu caráter apaixonado,da sua perseverança quando desejava obter alguma coisa, enfim de sua alma cigana.
Juan exibia uma personalidade de traços fortes,resultado do sangue espanhol de seu pai e, principalmente do sangue Kalon, de sua mãe que pertencia a um Clã cigano da Península Ibérica.
Momentos depois já de posse de suas bagagens,duas malas de couro negro e macio, parado à beira da calçada,esperava numa longa fila o táxi que o levaria ao hotel.
Tinha uma bela e elegante aparência aquele jovem de 3o anos:cabelos semi-longos de um negro luzidio e profundo,emoldurando um rosto anguloso,cujo queixo quadrado evidenciava ainda mais os traços gitanos...Os olhos,de um verde transparente,como duas líquidas esmeraldas,tinham um jeito penetrante,misterioso de olhar as pessoas...Ele as mirava direto,fixamente,como se entrasse em suas almas,descobrindo segredos.Um olhar de lobo.
O nariz reto, de narinas arfantes e belas,realçava uma boca larga de lábios decididamente firmes e sensuais...A sombra de uma barba escura, evidenciava o semblante másculo e atraente. Mas o que chamava atenção eram os cílios escuros e longos em contraste com o olhar claro e magnético! Uma figura apaixonante.
Mas havia algo nele,em todo esse conjunto de eletrizante beleza,que o tornava ainda mais enigmático:um certo quê de revolta contida...um ar de felino espreitando na sombras pronto para saltar sobre a presa. Uma inquietante sensação de incerteza das suas reações no instante seguinte.
Que segredos estavam escondidos naquela alma indevassável e inquieta?
Ylana aguardava,sentada a uma mesa, num canto resguardado por um biombo chinês,cujas pinturas delicadas em cada um dos quatro painéis de papel de arroz traziam recordações da China Imperial,naquele restaurante em estilo vitoriano.
O filho de Hernandez lhe telefonara na noite de sua chegada e haviam combinado encontrar-se naquele lugar para unir um jantar agradável a uma conversa necessária. No aconchegante salão haviam oito mesas de quatro cadeiras, cada uma recoberta por alvas toalhas de cetim adamascado. Ao centro das mesas um pequeno abajur de bronze dourado com cúpula de vidro fosco, estilo Art Nouveau,que lembravam flores róseas.
Ylana tentava disfarçar sua impaciência,mas evidenciava sua inquietação nas mãos que retorciam um guardanapo à sua frente. O grande relógio marcava 20.35hs quando o rapaz chegou ao restaurante quase cheio.
Ylana sentiu um arrepio gelado percorrer sua espinha. Suas mãos suavam,nervosas.
Os olhos verdes a miravam diretamente. A boca sorria mostrando uma fileira de dentes perfeitos. Mãos morenas apertaram as suas,quentes e macias.
O homem puxou a cadeira à sua frente e sentou-se. Tudo nele exalava uma aura de elegância e finesse. Entretanto a moça teve a súbita sensação de estar à espreita,numa situação de presa sendo cobiçada por um felino ágil...Que estranha sensação seria essa?
O sorriso quase brando, porém enigmático, daquele homem sentado ao seu lado, com o olhar altivo e cheio de mistérios, fez com que ela não sentisse absolutamente nada agora, além do imprescindível.Fixava, com atenção incessante, os olhos dele, e aplicou um esforço sublime para acompanhar os pensamentos daquele homem elegante e fino.
- Não posso fugir - pensou.
E, antes que pudesse levantar novamente os olhos para mirar outra vez os dele, veio a inevitável pergunta, que a assustou por um segundo:
- Por que foges, não de mim, mas de ti mesma?
Ylana quase desfalece, enquanto ele continua a observá-la, atento. Porém, sente-se desta vez perturbadoramente lisonjeada e cruza suas pernas, gentis e perfeitas, numa proposital languidez.
Aquela expectativa a incomodava, sem dúvida. Nenhum sinal claro de que tudo não passava de um enorme pesadelo, e que, por fim, sua presença ali não seria de todo inútil.
Receava, isso sim, que todos os segredos fossem impiedosamente desvendados, porém sentia-se estranhamente confortável.
Meu pai lhe manda um abraço srta"... Entre uma garfada e outra e um gole de vinho cor de âmbar,Ylana e Juan iniciaram uma conversa superficial, mas politicamente correta.
Pairava no ar,entre os dois um clima de tensa expectativa. Os olhos de Juan Miguel,magnéticos,atraiam o olhar da moça e a faziam tensa. Porém,lentamente foi sentindo-se melhor,mais a vontade. Talvez por efeito do vinho,relaxar as defesas e logo a conversa tornou-se mais amena e gentil.
O restaurante oferecia música ambiente e o casal escolheu uma mesa de canto, aconchegada por uma arandela triangular de um vidro fôsco lapidada com segmentos florais. A intensidade da luz era controlada ao lado, na parede, oferecendo um ambiente mais acolhedor.
Lá fora uma chuva que prometia ser impiedosa castigava a janela central, enquanto o vinho, elegantemente descansava na taça.
Ylana fitava o rapaz admirando a beleza marcante de seus traços e o estranho poder de sedução que dele transpirava. Fosse nos olhos, na pele, no hálito... Até que pigarreando quebrou-se o gelo:
_ Mas Sr. Juan, o que de tão importante o trouxe repentinamente até nós?
Seu olhar de esmeraldas alagou o rosto da moça de tal forma que ela viu-se envolvida por um nevoeiro de sensações que a faziam sentir-se em suspensão quando ele disse:
__ É verdade, senhorita! Ms vamos deixar de lado as formalidades, peço que me chame apenas de Juan. E eu gostaria de abolir o "senhorita", ME PERMITE?
__ Certamente Juan, vamos abaixar a guarda.
Com um sorriso maroto, Juan assentiu com a cabeça e prosseguiu:
__Soube da hipoteca de seu chalé e meu pai enviou-me para saldar a dívida e fazer-lhes uma proposta. Queremos comprar o imóvel.
Ylana gelou e suas pernas ficaram sem forças.Suas pupilas dilataram-se e sua boca ressecou rapidamente. Seus lábios entreabriram-se na tentativa de algo exprimir, mas preferiu tomar um generoso gole de vinho,recompondo-se na cadeira.
-A propósito Juan, o que mais seu pai lhe contou?
Saboreando o último pedaço de um suculento bife, o rapaz elegantemente, limpou o canto da boca, colocando em seguida o guardanapo sobre o colo e o cotovelo sobre a mesa, inclinando-se mais perto de Ylana dizendo:
__Curioso, mas eu sinto que há um certo mistério que a envolve ao passado de meu pai... Desculpe a ousadia ,mas estou certo?
__Você é muito inteligente e ardiloso meu caro, e não dá ponto sem nó. Creio que eu lhe fiz uma pergunta primeiro ou não?
Juan a olhou fixamente e de sua boca transpiravam rosas que abriu-se nu sorriso cálido e convidativo.
__Claro que sim, e te respondo. Meu pai não fala além do que lhe é conveniente. O velho é impertinente e ultimamente vem se mostrando uma pessoa de difícil convivência...
Talvez pela atmosfera mágica daquele lugar aconchegante,pelo ruído da chuva que caia agora mais fraca,lá fora,pelo vinho que já haviam tomado quase todo,fosse pelo que fosse,os dois deixavam-se atrair...Aquela sensação prazerosa,sensual que sempre flui entre homem e mulher em plena força de sua mocidade,acontecia agora,quase palpável,forte,entre Ylana e Juan.
As mãos que se seguravam sobre a mesa,o afago doce daqueles dedos longos e morenos,o olhar profundo e verde do jovem faziam arder a pele clara de Ylana...Mil sensações despertadas faziam a moça sentir um desejo louco e arrebatador por aquele homem atraente que trazia consigo a sensualidade e o mistério dos Filhos do Vento,do Povo dos caminhos...Contou-lhe sobre o passado...sobre sua paixão por Hernandez...Enquanto ouvia,Juan mantinha o olhar semicerrado,como se vislumbrasse as cenas.
Aos poucos iam se tornando mais próximos,mais íntimos. A moça,pela solidão amorosa em que vivia,permitia-se mergulhar naquela maravilhosa sensação de estar sendo desejada e querida.O rapaz,atraído pela beleza e sensualidade da jovem mulher,pelo calor que dela emanava,cumpria com prazer redobrado aquilo que a Natureza espera sempre de um homem:a conquista da fêmea.
Na penumbra que os rodeava, escondidos de todos os olhares pelo vidro fosco do biombo chinês,seus lábios se procuraram àvidos,selando com um beijo um pacto amoroso.
Na penumbrosa luz de seu quarto solitário jazia a escritora.
Sentada à escrivaninha de mogno escuro,debruçada sobre os papéis onde digitara o ultimo capítulo de seu romance,adormecera...
A bela cabeça loura,as faces levemente rosadas,Ylana dormia à sono solto,vencida pelo cansaço.Pela janela aberta entrava a brisa da noite,perfumada e fresca,trazendo consigo os sons misteriosos da escuridão.
"Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
Meu corpo estará ausente,
e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.
Ignoro se alguém me aguarda
de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.... " ***
***(Poesia de Juan Jamón Jiménes:Eu não voltarei.)
FIM
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*Nota: esse conto escrito a várias mãos foi publicado no nosso Empório do Café Literário: