sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O ARROZ DE PALMA


(sugestão de  leitura)

"Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida - azeitona verde no palito - sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano - quem diria? - solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente.
E você? É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero e do grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias - que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar - tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe “Família à Oswaldo Aranha”, “Família à Rossini”, Família à “Belle Meunière” ou “Família ao Molho Pardo” - em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada - seriam assim um tipo de “Família Diet”, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
Há famílias, por exemplo, que levam muito tempo para serem preparadas. Fica aquela receita cheia de recomendações de se fazer assim ou assado - uma chatice! Outras, ao contrário, se fazem de repente, de uma hora para outra, por atração física incontrolável - quase sempre de noite. Você acorda de manhã, feliz da vida, e quando vai ver já está com a família feita. Por isso é bom saber a hora certa de abaixar o fogo. Já vi famílias inteiras abortadas por causa de fogo alto.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo.
Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete".

(Francisco Azevedo)


Segundo descrição da Submarino:

Primeiro romance a tratar da imigração portuguesa para o Brasil no século XX, O ARROZ DE PALMA narra a saga de uma família em busca de um futuro melhor, superando diversas dificuldades. Nos cem anos em que acompanhamos suas vidas, irmãos brigam e fazem as pazes. Uns casam e são felizes, outros se separam. Os filhos ora preocupam, ora dão satisfação. Tudo sempre acompanhado pelo arroz jogado no casamento dos patriarcas, José Custódio e Maria Romana, em 1908. Grão que serve de fio condutor desta história, como migalhas de pão jogadas no labirinto da memória.

  • Estreia na literatura do roteirista e dramaturgo Francisco Azevedo - autor das peças Unha e carne e A casa de Anais Nin, sucessos de público e crítica -, o livro começa com Antônio, filho de José e Maria, aos 88 anos, preparando o almoço que será servido à família, finalmente reunida após muito tempo. Enquanto combina os ingredientes, vão se misturando em sua mente as histórias que Tia Palma, irmã de seu pai, lhe contava. Mitologias familiares, que gravitam em torno desse arroz e também em torno das dificuldades em se largar uma terra amada por um futuro duvidoso.

    No casamento dos pais, em Viana do Castelo, norte de Portugal, seguindo a tradição, o casal saiu da igreja sob uma chuva de arroz. Recolhido por Palma, esses 12 quilos de arroz foram acompanhando a família, sendo fundamentais em vários momentos. Como quando, para tratar da infertilidade da cunhada e do irmão, Palma dá a ele um laxante e depois prepara uma canja com esse arroz. O mesmo que ela presenteia ao sobrinho Antônio no dia de seu casamento. Uma união selada num almoço em que a família serviu esse arroz com bacalhau. O ARROZ DE PALMA é um romance delicado, que emociona e comove. Com um certo ar de Isabel Allende, a trama tem um forte componente sentimental. Uma nostalgia por um tempo em que a família abrigava as pessoas. Um ideal que, portugueses ou não, todos herdamos.
  • Editora: Record
  • Autor: FRANCISCO AZEVEDO
  • ISBN: 9788501081940
  • Origem: Nacional
  • Ano: 2008
  • Edição: 1
  • Número de páginas: 368
  • Acabamento: Brochura
  • Formato: Médio
  • Preço: 35,90
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Veja também com que "graça" a Dalva do Infinito Particular descreveu sobre a obra!

Boa leitura! Estou re-lendo...
Abraços,
Graça

5 comentários:

Val Cruz disse...

Oi linda! Estava com uma dificuldade terrível em abrir a sua página, não sei, travava o tempo todo, mas não desisti... risos. Adorei o fragmento do texto, principalmente o finalzinho. Obrigada pela dica!

Grande beijo e bom fim de semana!

R. R. Barcellos disse...

- Você, se não me engano, já postou esta matéria anteriormente - ou eu a li em algum outro lugar.
- Mas foi ótimo reler esse texto - e agora vou copiá-lo e colá-lo na minha pasta "Referências" para uso futuro. O link já peguei. Abraços, Graça!

Paula Mello disse...

Que lindo! Vou fazer uma economia aqui para ver se compro o livro!
Mas passei para dizer um olá no meio de tanta correria e que não esqueci do seu Botões nem de vc...

bjs

Hugo de Oliveira disse...

Ótimo demais..gostei.
abraços de luz e paz.

Vivian disse...

Bom dia Graça!!

Muito interessante está dica!!
Fiquei curiosa...louquinha para ler!!
Já está anotado!!

*Tem um selo pra ti no segundo post de hoje!!
Beijos
Ótimo domingo!!